Tesoureiro do SPGL, e membro eleito do CGS da ADSE |
Uma análise aos dados consolidados de 2016 revela que o Serviço Nacional Saúde financiou as entidades privadas, nesse ano, em cerca de 5,1 mil milhões de euros. As consultas, os exames, as análises e os medicamentos foram as áreas que representaram a maior fatia da despesa. Destes, segundo Eugénio Rosa, 3.529 milhões de euros dizem respeito ao fornecimento e serviços externos tais como consultas, compras em farmácias, meios de diagnóstico e terapêuticos e às Parcerias Público-Privadas (PPP). Neste enquadramento, só os gastos do Serviço Nacional de Saúde com os quatro hospitais públicos (Vila Franca de Xira, Cascais, Braga e Loures), que são geridos por entidades privadas, ascenderam a 448 milhões de euros. Isto representa, para o SNS, um aumento de 28,7% do financiamento a entidades privadas relativamente a 2015. Os dados preliminares de 2017 apontam para uma nova subida destes números.
Já no que diz respeito à ADSE, os dados consolidados de 2016 revelam uma despesa com o Regime Convencionado na ordem dos 371,5 milhões de euros enquanto no Regime Livre atingiu os 140,9 milhões. Tal significa uma despesa total com cuidados de saúde de 512,4 milhões de euros. Esta verba, naturalmente, financiou o sector privado de saúde. Porém, no caso da ADSE, nem poderia ser de outra forma, uma vez que os beneficiários deste sistema complementar de saúde pagam os seus impostos de acordo com a lei, como quaisquer outros cidadãos do país, e têm direito a ser atendidos no SNS. Logo, os serviços complementares de saúde que a ADSE propicia aos seus beneficiários titulares (que para isso descontam do seu salário ou pensão, para além dos impostos que pagam, mais 3,5%), ou aos familiares destes em determinadas condições, têm de ser prestados por entidades privadas ou da economia social.
Uma hipocrisia pouco “desnatada”
Por isso, o que é estranho não é o financiamento pela ADSE das entidades privadas, per capita, de 419 euros em 2016, já que nesse ano totalizava 1.222.809 beneficiários. O que é politicamente irresponsável, economicamente desastroso e financeiramente vergonhoso é, nesse mesmo ano, para o qual se dispõe de dados consolidados, o Serviço Nacional de Saúde ter financiado as entidades privadas, per capita, em 494 euros, já que em 2016 viviam em Portugal 10.325.500 pessoas e todas elas tinham o direito constitucional de aceder ao SNS.
Isto significa que o SNS está cada vez mais capturado pelos interesses privados, quando devia, isso sim, para cumprir o propósito constitucional, ter capacidade própria para responder aos desafios em matéria de saúde dos cidadãos que vivem no espaço nacional.
Há muitos responsáveis pela iminente derrocada do SNS, se nada de substancial for feito em matéria de investimento (material e humano) e de alteração de processos nos próximos quatro anos. O que certamente não resolve o problema do SNS é a tentativa, levada a cabo por alguns, que tiveram importantes responsabilidades na sua gestão ao longo de muitos anos, de arranjar bodes expiatórios para limpar essas mesmas responsabilidades, o primeiro dos quais é a ADSE. Chega a ser constrangedor ler e ouvir as barbaridades que alguns desses responsáveis trazem à colação (a maior parte deles sentados agora à mesa dos prestadores privados de saúde) como aquela de que o problema do SNS resulta da “desnatação” que lhe é feita pela ADSE. Não lhes passa pela cabeça que, no estado de fragilidade em que se encontra o SNS, o fim da ADSE levaria ao colapso daquele praticamente de imediato. Mas, talvez seja isso mesmo que pretendam. Já que, dos mais de 1,2 milhões dos actuais beneficiários da ADSE, provavelmente conseguiriam “conquistar” os 200.000 com melhores salários e pensões para as seguradoras privadas.
Por outro lado, e isto mostra as contradições que se cruzam ao sabor dos mais variados interesses, a ADSE é usada pelo Governo para baixar o défice público, impedindo que esta utilize parte dos saldos positivos que acumulou para se modernizar, tendo em vista o seu combate à fraude e à sobrefaturação. Em sentido oposto, o Governo nada faz para implementar as medidas que inscreve nos decretos-Lei de execução orçamental, que permitiriam à ADSE pôr em prática as novas tabelas de preços, entre outras medidas essenciais à sua saúde financeira. Isto, apesar da ADSE ser financiada praticamente a 100% pelos seus beneficiários titulares.
A ADSE é uma conquista dos trabalhadores da Administração Pública. É actualmente um Instituto Público de Gestão Participada. A sua existência constitui, nesta fase de destruição do SNS pela falta de investimento e captura por interesses privados (como se vê claramente nos debates sobre a nova Lei de Bases da Saúde), um balão de oxigénio para o próprio Serviço Nacional de saúde. Os representantes dos beneficiários no seu Conselho Geral travam uma luta dura e difícil contra a sobrefaturação dos grandes grupos privados de saúde, que permita a sustentabilidade deste sistema complementar de saúde. Isso incomoda muita gente. Curiosamente, ou talvez não, da esquerda à direita.
António Nabarrete
Nota: o autor não dá uso ao chamado Novo Acordo Ortográfico
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