Pergunta absurda: pode, em democracia, um roubo ser feito pelo governo a milhares de pessoas, perante toda a sociedade?
Infelizmente, pode.
Pode, se o governo o fizer através da mentira caluniosa e da desinformação.
Pode, se a sociedade suspender a incredulidade e aderir à ficção governativa.
Pode, se o governo tiver a percepção de que tal roubo é premiado eleitoralmente.
Desde o trágico ministério de Lurdes Rodrigues, quando se fomentou e vulgarizou o mais vil desrespeito pelos professores, a luta da classe docente em matéria de direitos laborais tem tido sempre a oposição e o desprezo da sociedade. Este governo, mais uma vez, apenas se aproveita dessa ingratidão odiosa e hipócrita.
As condições do actual roubo de 6,5 anos de serviço cumprido foram criadas nos anos de burla dos governos Sócrates e prosseguidas nos anos de chumbo da jihad troikista da legislatura PSD/CDS:
— 854 dias de congelamento, entre 30 de Agosto de 2005 e 31 de Dezembro de 2007, mais 2557 dias de congelamento, entre 1 de Janeiro de 2011 e 31 de Dezembro de 2017, somando um total de 9 anos, 4 meses e 2 dias a marcar passo.
Em Novembro de 2017, após uma expressiva manifestação em frente da Assembleia da República e cerca de 10 horas de negociação, os sindicatos e o governo assinaram uma declaração de compromisso pela contagem integral do tempo de serviço congelado, ficando por definir o faseamento dessa contagem; tal compromisso foi reiterado na lei do Orçamento de Estado para 2018 e numa resolução da Assembleia da República de Janeiro de 2018, aprovada por todos os grupos parlamentares, incluindo o do PS. Seria natural que o compromisso legislado fosse cumprido, definindo-se a sua calendarização. Mas eis que o executivo resolve revisitar os métodos falaciosos e usar da mesma má-fé e falta de ética dos anteriores governos PS, desrespeitando os professores em sucessivas reuniões inúteis, num simulacro negocial, vitimizando-se sempre com a “intransigência” dos sindicatos, até acabar por romper qualquer possibilidade de negociação com a criação de um diploma que previa a recuperação de apena 2 anos, 9 meses e 18 dias (após mudança de escalão, o que geraria inúmeras ultrapassagens), e intoxicando os media com o soundbite de que este generoso “bónus” era recusado pelos professores. Após o veto deste diploma pelo Presidente da República (que, lamentavelmente, não recomendou a correção das inconstitucionalidades das ultrapassagens e do tratamento discriminatório em relação aos professores dos Açores e da Madeira), o governo fingiu nova negociação com os sindicatos e repetiu o diploma vetado, agora sob a forma de Decreto-Lei nº 36/2019, alardeando novamente a sua incompreendida generosidade, sendo secundado nos dias a seguir pelos costumeiros comentadores e articulistas.
Recentemente, à falácia do “bónus”, o primeiro-ministro veio juntar a mistificação da “contagem integral” desse tempo de serviço, que pode agora ser feita de uma só vez ou faseadamente, a pedido de cada docente… Primeiro, a uma pequena parte do que nos é devido, Costa chama “bónus”, depois, a esse “bónus”, o primeiro-ministro associa, precisamente, a expressão “contagem integral”. Ou seja, no imaginário colectivo há agora duas noções a pairar — “bónus” e “contagem integral” —, ficando a opinião pública com a ideia mirabolante de que os professores podem optar por ter o “bónus da contagem integral” do tempo de serviço de uma só vez ou faseadamente! Ora, o cidadão comum pergunta, perplexo, de que se queixam, afinal, os professores.
E é assim que é possível este roubo descarado de 6,5 anos de serviço cumprido pelos docentes do continente, cuja contagem integral já estava prevista no Orçamento de 2018 e volta a estar no de 2019.
Mas não desistiremos! Não baixaremos os braços nunca, pois a nossa função maior é dar o bom exemplo. Temos sempre o dever de demonstrar que não se desiste na defesa do trabalho com direitos e de uma sociedade ética e justa.
POR UM SPGL SEMPRE MAIS FORTE!
Francisco Martins da Silva
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